Em Borneo, na Malásia, a tribo mais temida em toda a ilha foram os Iban, que ficaram conhecidos, graças aos preconceituosos olhos colonizadores de um antropólogo inglês, como os “caçadores de cabeça”. Charles Hose visitou Borneo no início do século XX e fotografou diversas tribos da ilha para seu livro, “The Pagan Tribes of Borneo”, publicado em 1912. Atestando que os Iban eram a única tribo que praticava a caça de cabeças como uma espécie de esporte, até hoje o equívoco de Hose faz com que muitos procurem os nativos em busca de histórias de cruéis guerreiros decapitadores.

Historiadores modernos argumentam que, na verdade, a prática da decapitação dos inimigos começou durante o expansionismo tribal e territorial dos Iban, quando o aumento excessivo da população os fez guerrear por terras com outras tribos e, consequentemente, invadir espaços já ocupados por grupos menores. Partindo da crença de que a alma habita a cabeça, decapitar o inimigo garantiria a morte do espírito, que, dessa forma, não permaneceria preso ao corpo, desejando se vingar de seus assassinos.

Acredita-se que a técnica de cortar cabeças foi aprendida com os malaios (que habitam até hoje a península de Malaia e as ilhas de Sumatra e Borneo), que, por sua vez, haviam aprendido essa e outras “artes da pirataria” com os árabes. De fato, arrancar a cabeça dos inimigos é uma forma bastante eficaz de manter outros inimigos em potencial longe de seu território, evitando invasões.

Os cabelos das cabeças cortadas eram também utilizados para ornar escudos e lanças dos guerreiros Iban. O indivíduo que levava à tribo a cabeça do inimigo era considerado corajoso e bravo, e seu ato era premiado com tatuagens feitas nas mãos e nos dedos – infelizmente, não existem fotos dessas tatuagens em específico; elas consistiam em diferentes formas de animais em movimento.

Para os Iban, bem como para todas as tribos nativas de Borneo, as tatuagens são uma parte importante da cultura. Com a globalização e a modernização em escala mundial, as gerações mais novas da ilha vêm optando por não se tatuarem, com receio de não conseguirem bons empregos. Mesmo assim, tatuagens ainda podem ser vistas em um grande número de habitantes por toda a ilha – exceto pelas tatuagens nas mãos. De todas as tribos, os mais tatuados são justamente os Iban, que herdaram seus desenhos das tribos Kayan Kenyah e Bakatan. Uma curiosidade é que, para algumas tribos da Malásia, os pontos entre o dedo indicador e o polegar são as tatuagens conferidas aos guerreiros que já mataram. Qualquer semelhança com as atuais tatuagens feitas em prisões no Brasil e na Rússia pode não ser mera coincidência!

Por interferência da cultura ocidental, mais precisamente por decisão dos governadores dos Estados de Sarawak e Kalimanjan (os quais compreendiam territórios Iban), a caça de cabeças foi proibida nos 100 anos que antecederam a Segunda Guerra Mundial. Aqueles que lutaram durante a Grande Guerra receberam, então, as tatuagens conferidas aos guerreiros, mas já não praticavam a decapitação e não recebiam as tatuagens nas mãos.

Como parte da cultura milenar, receber uma tatuagem é o resultado de um ritual ligado à intensa espiritualidade Iban. Eles acreditam que os poderes animais, vegetais ou humanos representados nos desenhos, ilustrados a partir de formas encontradas na natureza, são incorporados ao sujeito assim que sua pele é marcada. Ganhar uma tatuagem significava (e ainda significa) não apenas uma passagem de um ponto da vida a outro, mas um novo começo, ou o começo de uma nova história.

A maioria dos desenhos das tribos de Borneo vem dos Kayan, uma antiga tribo que habitava o interior da ilha. As flores ou rosetas, por exemplo, são encontradas em praticamente todos os nativos mais velhos, que normalmente as ganhavam após longas jornadas ou grandes acontecimentos pessoais. A técnica Kayan de cavar os desenhos em blocos de madeiras que seriam usados como moldes para carimbar a pele também se espalhou por todo o território. Algumas tribos, como os Iban, copiavam os desenhos, outras preferiam adaptar as imagens, criando seu próprio símbolo.

Um tatuador tradicional, antes de fazer uma tatuagem, deveria consultar os espíritos para que estes o guiassem na determinação do desenho. Após a consulta, um sacrifício (normalmente, de uma ave como a galinha ou o frango) era feito em oferenda aos ancestrais dos espíritos que ajudavam no processo. A partir daí, podia-se então começar a fazer a tatuagem, por um método bastante doloroso, que durava de seis a oito horas e, às vezes, estendia-se por semanas. A técnica utilizada é a mesma dos polinésios (saiba mais sobre o Moko aqui): com uma agulha (feita a partir de dentes de animais afiados ou de espinhos bem resistentes) amarrada a um longo cabo, usa-se um outro pedaço de madeira para bater na cabeça do primeiro, fazendo um movimento contínuo para a aplicação do pigmento.

A “tinta” é obtida da fuligem ou de carvão em pó, elementos considerados protetores da influência de espíritos malignos. Para que a tatuagem se tornasse mais poderosa, alguns artistas adicionavam ainda o pó de ossos de animais misturados à terra.

O último tatuador Iban, Maung, que lutou contra os japoneses na Segunda Guerra, contava aos visitantes sobre a magia que suas tatuagens continham, porque seu espírito protetor o havia guiado a um meteorito no meio da floresta, que Maung passou a usar como ingrediente de seu pigmento em todas as tatuagens que fazia. Ele faleceu em 2002, segundo o fotógrafo e pesquisador Lars Krutak, apenas algumas horas após a foto abaixo ter sido tirada.

Os desenhos mais comuns entre os Iban são feitos na garganta e nos pulsos; eles impediriam que a alma escapasse do corpo. Cachorros, escorpiões e rosetas eram feitos após grandes viagens ou na ocasião de encontros com outras tribos.

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